quinta-feira, 16 de julho de 2015

[Artigo] A greve e o pau-de-sebo: por que fazer greve


No momento, estou em greve, nós, Técnicos Administrativos em Educação (TAEs) do IFPR e do Brasil, estamos em greve e a todo momento nos deparamos com o questionamento de colegas e da opinião pública: por que fazer greve? Muito se debate e se discute sobre o porquê os trabalhadores fazem e devem fazer greve. As razões são muitas, as críticas também. Os pontos de vistas e instâncias de análise também são vários. Para incitar o debate gostaria de apontar alguns elementos, sem nenhuma pretensão de esgotá-los, é claro.
O primeiro aspecto é o econômico. Como sabemos a nossa sobrevivência se organiza a partir da economia capitalista. Ou, para ser mais exato, a reprodução da nossa vida social depende de uma série de mercadorias produzidas pelos trabalhadores sob o domínio do capital e que são vendidas e compradas no mercado. São produtos de diversas naturezas, mas que na essência nos garante e estende a nossa humanidade. Para adquirirmos esses produtos somos obrigados a trabalhar! Isso mesmo, somos obrigados! Ninguém trabalha por amor, se tiver alguém lendo que trabalhe por amor, por favor, depois me avise que eu passo o número da minha conta bancária e você pode depositar o seu salário. É claro que trabalhar em uma atividade que nos realize e possibilite ampliarmos nossas relações e conhecimentos é melhor e gratificante, sem contar no fato de que o trabalho é nossa mediação universal com a natureza. Mas o fato é esse, temos que trabalhar para recebermos um salário e com ele podermos adquirir os produtos para satisfazer nossa existência.
Até onde sei, não existe mercadoria e riqueza que não seja produzida pelo homem por meio de seu trabalho, portanto, o valor das mercadorias é medido pela quantidade de tempo socialmente necessário para produzi-las. Ninguém em sã consciência troca uma casa por um celular. As coisas precisam ter uma quantidade de alguma coisa para determinar o seu valor, essa coisa é o trabalho social médio que pelo sistema monetário é expresso em dinheiro. Portanto, o valor do nosso trabalho, ou para ser mais exato, da nossa força de trabalho, é medido pela quantidade de trabalho necessário para produção dos produtos e serviços que servem para nos reproduzirmos enquanto trabalhadores, que é traduzido no salário. Ou seja, assim como qualquer outra mercadoria temos um custo, que é determinado pelos produtos e serviços da nossa reprodução e de nossa família. Em contrapartida, existem indivíduos na sociedade capitalista que sobrevivem da apropriação do trabalho alheio. Reproduzem-se, não a partir do próprio trabalho, mas a partir da venda das mercadorias ou serviços produzidos pelos trabalhadores. Em linhas gerais, para esses indivíduos, quanto mais barato for o custo de produção e reprodução do trabalhador, mais se apropriarão e acumularão riquezas produzidas socialmente. Desta forma, acumuladores de riqueza tenderão sempre a reduzir ou a não permitir que aumentem o valor dos salários, para que a parte da riqueza socialmente criada seja cada vez mais acumulada em suas mãos.
De modo geral, com o desenvolvimento tecnológico, os valores das mercadorias tendem a ser menor, pois a quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-las tende a diminuir. Uma mercadoria que antes era produzida em 10h, com o desenvolvimento tecnológico passa agora a ser produzida em 5h, portanto, o tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la caiu pela metade. Assim, também é com a mercadoria força de trabalho. Entretanto, os salários, expressão monetária do valor da força de trabalho, não podem deliberadamente baixar, pois além de ser inconstitucional não seria aceito política e individualmente pelos trabalhadores. Portanto, um dos mecanismos econômico para a corrosão dos salários são as mercadorias ficarem mais caras. Se os capitalistas sobrevivem da venda das mercadorias, que estão mais caras, e não aumentam os salários, logo, os seus lucros tenderão a aumentar, colocando a classe trabalhadora em situação de prejuízo. Cabe lembrar que o indicador utilizado para medir o crescimento de riquezas é o PIB (Produto Interno Bruto), que analisado em relação ao indicador para medir a desvalorização da moeda (a inflação) evidencia, de modo geral, os ganhos e perdas de poder de compra dos salários, que se confrontam com os lucros acumulados em determinados períodos. Em nossa situação atual, os TAEs acumulam 27,3% de perdas desde janeiro de 2011. Resultado: o nosso poder de reprodução social tende a diminuir a cada ano que passa. Ninguém, além do próprio trabalhador, irá aumentar os salários. E o único recurso que até hoje é comprovadamente eficaz para conseguir esse aumento, é a GREVE! Portanto, fazer greve é, em primeiro lugar, correr atrás do prejuízo econômico em que sistema nos impõe a cada ano! É triste, mas é fato! E se ninguém fazer, esse prejuízo tenderá a se acumular, e como disse Brecht: “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. [...] Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada [...]”
É preciso registrar que a situação de prejuízo se mantém em qualquer período econômico, seja ele em momentos de prosperidade e crescimento, seja ele em momentos de crise. Em momentos de prosperidade os indivíduos que vivem da venda das mercadorias tenderão a acumular mais e não repassar esses ganhos àqueles que trabalham para ele, o prejuízo do trabalhador, portanto, será relativo, ou seja, ficará mais empobrecido frente à riqueza acumulada no período. E como o trabalhador conseguirá melhorar sua situação frente ao acumulador de riquezas? GREVE! Em períodos de crise, nem precisa se estender muito, o acumulador de riquezas irá tentar achatar o salário para manter seu padrão de acumulação. Como o trabalhador deve agir para não perder tanto? GREVE! Enfim, economicamente, está mais que provado que a greve é um dos únicos meios para não perder tanto.
Ouvimos muitas besteiras sobre grevistas. Alguns dizem que são “gananciosos”, outros dizem que “se não está satisfeito procure outro lugar para trabalhar”, alguns até se vendem por funções gratificadas para compensar essas percas acumuladas ao longo dos anos. Não que certas funções não devam ser gratificadas, mas que devem ser entendidas como tais e quais, e não como correntes que impeçam seus gratificados de lutar por melhorias. Enfim, a maioria dessas opiniões e ações tem como princípio saídas individuais, e que a médio prazo irá se deparar com os mesmos prejuízos que tentou fugir individualmente, visto que os efeitos da economia são globais e não apenas setoriais.
O outro aspecto importante é o político. Como sabemos, cada tipo de indivíduo acima descrito, o trabalhador e o acumulador de riquezas, juntos formam uma classe social. Cumpre informar que atualmente no Brasil os trabalhadores representam cerca de 75% da população economicamente ativa, enquanto a outra classe representa apenas cerca de 3%! No entanto, as regras impostas, trabalhar em troca de um salário por exemplo, são definidas para atender aos interesses econômicos desses 3%. Isto porque a ordem jurídica é definida politicamente por essa classe. Como são apenas 3% a facilidade de associação, de organização e de definição política é proporcionalmente oposta aos 75% de dificuldades que a classe trabalhadora enfrenta. Portanto, politicamente manter os interesses para acumulação da riqueza, conforme os elementos econômicos acima expostos, é incrivelmente mais fácil que a classe trabalhadora lutar pelos seus. Sem falar na facilidade de recursos que esses senhores e senhoras possuem.  Assim, o momento de greve é também um momento de organização política dos trabalhadores. É quando nos conhecemos melhor, quando sabemos das dificuldades que os colegas enfrentam, quando nos reconhecemos como classe e que juntos podemos mudar alguma coisa, porque temos os mesmos interesses, os mesmos principais desafios, a mesma situação econômica. Ouvi algumas pessoas relatarem que enxergam como “perigoso os setores conversarem uns com os outros”. E é isso mesmo! É isso que temos que fazer! Pois cabe perguntar: é perigoso para quem, carapalida? Portanto, a GREVE é importante também politicamente!
Juridicamente não chega nem ser um motivo, mas uma garantia. Fruto do acúmulo de lutas passadas, de greves passadas, de trabalhadores passados, a sociedade brasileira garantiu em seu ordenamento o direito dos trabalhadores fazerem greve. É um reconhecimento jurídico dentro de nosso sistema que comprova que os trabalhadores um dia necessitarão utilizá-la. 
É importante esclarecer também que nós, TAEs, não trabalhamos para um acumulador de riquezas, nos sentido stricto. Somos trabalhadores do Estado, mas que em essência nossa reprodução se equipara aos padrões econômicos dos trabalhadores privados. Com exceção de uma carreira ou outra, ou de uma garantia ou outra (estabilidade por exemplo) o nosso padrão de exploração se assemelha à classe trabalhadora geral, a diferença é que a riqueza que produzimos não é apropriada por um patrão, mas pela população em geral.
Por fim, gostaria de chamar a atenção para a questão da necessidade dos trabalhadores sempre terem que correr atrás do prejuízo. É triste, é fato, mas pode ser diferente! Esse prejuízo é em decorrência dos acumulares de riquezas terem em suas mãos os meios de produção da vida! Ou seja, eles são donos, proprietários dos meios que possibilitam produzir os produtos para a nossa reprodução. E a medida em que não temos esses meios, somos obrigados a vender a nossa única propriedade: nossa força de trabalho! E em razão dessa venda, e outros aspectos que não cabe aqui desenvolver, se desencadeia toda a situação econômica acima descrita. O fato, portanto, é entendermos a nossa força econômica e política para lutarmos também para superar essa forma de organizar a produção da nossa vida! Pararmos de subir no pau-de-sebo para logo em seguida descermos, pois como demonstrado acima, lutar por salário no capitalismo é isso: subir no pau-de-sebo! Precisamos começar a entender que podemos muito mais que só fazer GREVE!   

Leandro José de Araujo
Assistente Social CRESS/PR 8.250
IFPR/Câmpus Curitiba

* Este é um artigo de autoria pessoal cujo conteúdo é de inteira responsabilidade do seu autor e as opiniões nele emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista do Coletivo. Mande você também seu artigo para: greveifpr2015@gmail.com

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